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Manifesto Arquivista, por Yuk Hui

#Tradução

Tradução por Walter Bolitto Carvalho

Manifesto Arquivista, por Yuk Hui

“Um novo arquivista foi nomeado. Mas será que foi mesmo nomeado? Ou ele agiria por conta própria?… Ele não se vai preocupar com o que os arquivistas anteriores trataram até então de mil maneiras diferentes: proposições e frases. Ele irá ignorar tanto a hierarquia vertical de proposições empilhadas, como a relação horizontal estabelecida entre frases, em que cada uma parece responder à seguinte.”

– Novo Arquivista, Gilles Deleuze

§1. Arquivo

Somos arquivistas, porque precisamos ser. Não temos escolha. Essa decisão já está tomada, ou determinada pela condição tecnológica contemporânea. A ubiquidade da informação em formas digitais e calculáveis criou uma nova situação de trabalho e exploração, nós entramos em um processo interminável de produção de dados e, em seguida, também entramos em um interminável buraco negro de navegação de dados. A internet de dados é um enorme arquivo de dados e, ao mesmo tempo, um enorme buraco negro que suga toda produtividade. O Google é a melhor exemplificação desse duplo papel: por um lado, nós contribuímos com dados ao usar as ferramentas do Google, e-mails, blogs, Google+, Hangout, etc.; e por outro lado, o Google nos fornece ferramentas de busca e gerenciamento para sobreviver nesse meio digital. Pior ainda, o Facebook mostra outro lado, um enorme arquivo de dados sem navegabilidade, a única navegação que se pode fazer é procurar por seu amigo; caso contrário, é preciso rolar para baixo a página para descobrir o que você escreveu anos atrás.

Nessa situação, devemos reconhecer que o arquivo é uma das principais questões econômicas e políticas relacionadas ao digital. O que aconteceu com o conceito de arquivo após a virada digital? Que tipo de estrutura de poder se apresenta para nós nesse novo cenário? Para Foucault, os arquivos são rastros de enunciações pelos quais se pode reconstruir o jogo das regras (le jeu des régles), que por sua vez revelam a estrutura de poder de seu meio. Os arquivos, nesse sentido, são reservatórios de discursos que possibilitam uma arqueologia do conhecimento. Em outras palavras, os arquivos são fontes de dedução para arqueólogos. A vontade do arquivo ainda torna os arquivos como uma manifestação de poder. Essa vontade se expande na era moderna e estabelece uma relação direta entre instituições e arquivos. Cada instituição tem seu arquivo, sua história de discursos. Para manter seu status quo de discursos, ela precisa dar a seu arquivo um nome apropriado. Como observa Foucault, a expansão de museus e bibliotecas na era moderna tenta “colocar em um só lugar todos os tempos, todas as épocas, todas as formas, todos os gostos” [1]. Um arquivo é também um símbolo de autenticidade e autoridade. Esse projeto dos modernos enfrenta o maior desafio na era digital. Por um lado, as instituições públicas que adotam estratégias digitais também precisam desenvolver novas formas de interação entre arquivo e audiências, obrigando-se a abrir seus arquivos; por outro lado, dentro de um modelo institucional, elas continuam mantendo seus arquivos de maneira centralizada (até mesmo o Arquivo de Michel Foucault) para consolidar o status dessas instituições. Embora hoje, quando essas instituições implementam “políticas abertas” ou, infelizmente, crowdsourcing, ainda seja uma estratégia de crowdsourcing sob o nome de humanidades ou de humanidades digitais para servir a seus arquivos centrais.

Nesse aspecto, o Google está tecnicamente à frente dessas organizações, o Google Books e o Google Museums são esforços para reapropriar as humanidades por meio de digitalização e crowdsourcing. O Google não apenas oferece serviços com maior qualidade e velocidade, mas também vai além da relação entre arquivos e sujeitos humanos. Os arquivos do Google apresentam uma distinção importante em relação aos de Foucault. É que o poder está impondo suas forças diretamente nos arquivos para obter controle, ou seja, os arquivos se tornam um mecanismo de controle e ações sociais, em vez de serem rastros de poder [2]. Agora precisamos enfrentar um novo jogo das regras que opera em níveis cada vez mais automáticos e algorítmicos. Metadados produzidos pelos usuários tornam-se materiais de indução, para gerar padrões para previsão, regras, protocolos de controle. O arquivo se estende desde discursos até gestos. Parece-me que, hoje, para responder a essas dimensões políticas e econômicas da web, precisamos politizar a questão do arquivo. A chave parece ser os arquivos pessoais. Não é apenas por uma consideração técnica que podemos mitigar os controles dos provedores de serviços ou manter a privacidade, mas sim repensar nossa relação com os arquivos e criar outra cultura tecnológica/digital. Para fazer isso, proponho refletir sobre as seguintes perguntas: O que estamos arquivando e para que estamos arquivando? O que significa ser um arquivista?

§2. Cuidado

Nós temos sido arquivistas desde o momento em que começamos a possuir coisas, brinquedos, livros, cartões postais, cartas, nós temos nossa própria maneira de organizá-los, catalogá-los. Mas é apenas agora que estamos enfrentando uma situação em que não somos capazes de arquivá-los, seja possuindo-os ou indexando-os por nós mesmos. Existem diferentes níveis de incapacidade aqui: os serviços da web se tornam mais e mais distribuídos, enquanto a portabilidade de dados ainda é um problema; a computação em nuvem está movendo coisas do seu disco rígido para o servidor de outra pessoa; ferramentas de indexação e softwares de bibliotecas pessoais ainda estão subdesenvolvidos, etc. Não são ursinhos de pelúcia ou bonecas Barbie, mas objetos digitais (ursinhos de pelúcia e bonecas Barbie também podem ser digitais). É exatamente essa incapacidade de arquivar, criada pela condição tecnológica, que abre um novo campo de batalha para mecanismos de busca, redes sociais, computação em nuvem etc. Mas o que são esses objetos e por que precisamos re-conceituá-los de forma séria? Para compreender a questão específica dos objetos digitais, precisamos observar a evolução particular da web, especialmente o movimento decisivo da visão de Ted Nelson sobre a web e a World Wide Web de Tim Berners-Lee.

A visão de Ted Nelson sobre a web foi muito inspirada pela literatura, ela diz respeito à indexação, pela qual uma pessoa pode pular de um link para outro. Para Nelson, o objetivo final da web era criar um sistema de micropagamento para autores. A invenção da web por Tim Berners-Lee e o uso recente de ontologias para formalizar dados em formato legível por máquina não se trata mais da economia de hiperlinks, mas, na minha opinião, de uma nova economia dos objetos. Seria muito complicado discutir o significado da semântica proposta na Web Semântica de Berners-Lee, mas é claro que a formalização dá aos objetos não apenas identidade, mas também mobilidade. Somente nessa visão de Tim Berners-Lee vimos a continuação do cuidado dos bibliotecários, o surgimento de um novo tipo de objeto definido pela estruturação de metadados e um novo tipo de cuidado a ser desenvolvido (HTML → XML → Ontologias Web). Um dos exemplos que melhor demonstram isso é o enorme impacto causado pelas ontologias web legíveis humano-máquinas na ciência da biblioteconomia. O uso do XML pelo Dublin Core confrontou diretamente a prática convencional de MARC (Catalogação Legível por Máquina) [3]. “MARC deve morrer”, esse foi o slogan que ressoou entre os técnicos de biblioteca desde o início dos anos 2000, e você pode encontrar um site específico criado por bibliotecários digitais dedicado a isso. É claro que o desenvolvimento inicial de esquemas de metadados para catalogação, como o MARC, não levou a sério a relação entre bibliotecários e objetos digitais. Os técnicos têm que lidar com símbolos abstratos que apenas as máquinas podem ler, eles são condenados a serem assistentes das máquinas.

É também dentro dessa conceituação de objeto que podemos voltar à questão do cuidado que se concentra na relação entre bibliotecários e livros. Eu pego a palavra cuidado muito da definição de Sorge proposta por Martin Heidegger. O cuidado é a estrutura temporal pela qual podemos entender nossa existência, esse tema está no cerne de Sein und Zeit (Ser e Tempo) de Heidegger. O cuidado não é apenas, como dizemos em nossa vida diária, “cuidar de algo”, mas também uma estrutura temporal que cria um meio consistente para nós mesmos. Heidegger desenvolve ainda mais o conceito de Besorgen para descrever o modo preocupado de estar com ferramentas, e Fürsorgen para descrever dois modos positivos de cuidado [4]. A implicação política de Besorgen é que hoje nossa vida cotidiana lidando com arquivos, por exemplo, pesquisando no Google, atualizando o Facebook ou outras atividades de crowdsourcing, são naturalizadas como hábitos, como algo inquestionável.

Ao contrário, Fürsorgen é ao mesmo tempo a preocupação de não ser capaz de estar presente e a afirmação que se pode ter de si mesmo. Se assim podemos dizer, um é passivo, como afetos, emoções; e o outro é ativo, sobre antecipações e preparação para o futuro. O que é crucial em Fürsorgen é agir no “olhar para trás”. A preocupação tardia de Foucault com o cuidado ressoa com a mudança na percepção do poder do discurso para o desenvolvimento pessoal e a prática dos discursos. Quando Foucault escreveu le souci de soi (o cuidado de si), ele se refere à prática de cuidado, ocupar-se, assim como as nachsicht e zurücksicht de Heidegger, ambas preocupações e afirmações. Foucault usa o exemplo da figura de Sócrates, que continua perguntando aos jovens na rua “você está se ocupando” mesmo diante de sua morte. Essa prática de cuidado é como os bibliotecários são capazes de cuidar dos livros, limpando a poeira das capas, colocando-os nos lugares certos, relacionando os livros a diferentes temas, ao pegar esses objetos, eles criam um meio associado para objetos e a si mesmos. Claro, nem todos os bibliotecários são assim, mas essa metáfora do bibliotecário enfatiza as conexões entre objetos e arquivos [5]. Em contraste, a privação de cuidado é aquela que sistematicamente destrói essas estruturas de cuidado ao alienar a relação entre objetos e indivíduos. Por exemplo, os usuários são vistos apenas como produtores de dados e aqueles que podem contribuir para diferentes tipos de crowdsourcing. No cerne da questão do arquivo está a questão do cuidado, e penso que hoje, para cuidar, é preciso pensar em arquivo, na exteriorização de nossas memórias, gestos, discursos, movimentos. Mecanismos de busca, redes sociais, o que se pode chamar de info-capitalismo, operam na direção de transformar o cuidado em algo eficiente e computável. No final, não seremos mais capazes de organizar esses vestígios, mas deixaremos que fiquem na nuvem para serem cuidados por outros.

§3. técnicas

O que um arquivista precisa não é apenas seu amor por objetos, mas também habilidades ou técnicas de cuidado. Cuidado, assim como poder, não é substância, mas relações que são modificadas de acordo com suas condições materiais. As técnicas de cuidado e as tecnologias de cuidado coincidem no contexto de arquivos. Embora essa cultura tecnológica de arquivamento ainda não esteja presente, precisamos trazê-la de volta à mesa. Quero associar esta questão ao filósofo francês Gilbert Simondon, não apenas porque Simondon propôs cuidar de objetos técnicos (que seriam objetos digitais em nosso caso), mas também porque Simondon vislumbrou uma cultura tecnológica como uma possível solução para a questão da alienação especificamente e a oposição entre cultura e tecnologia em geral. Essa imaginação da cultura tecnológica foi projetada através do enciclopedismo do Iluminismo. Simondon viu o surgimento da enciclopédia como a primeira vez na história em que técnicas como fazer vidro, porcelanas, tecelagem são apresentadas ao público. Vamos lembrar que um dos objetivos da enciclopédia é ‘publicar todos os segredos da manufatura’. Nos 17 volumes in-folio da enciclopédia, cerca de 2.900 pranchas em 11 volumes in-folio foram dedicadas à tecnologia.

Mas a contradição relacionada ao desenvolvimento tecnológico é que, quanto mais avançam as tecnologias, mais nos afastamos delas. Existem duas problemáticas associadas a isso: em primeiro lugar, a máquina se tornou conhecimento abstrato, o que se apresenta aos trabalhadores é uma interface de controle, o know-how é reduzido a apertar um botão, alimentar a máquina com matéria-prima; em segundo lugar, a mecanização de todas as habilidades artesanais cria uma tendência de desqualificação entre os trabalhadores, pois a automação substitui a posição do homem como indivíduo técnico. A industrialização amplifica esse efeito. Por um lado, a concretização de objetos técnicos como indivíduos técnicos se une às abstrações de trabalho e conhecimento, um botão ou um painel de controle esconde uma grande quantidade de conhecimento prático e relações sociais. Por outro lado, a troca entre trabalho e capital leva o trabalho a um círculo sem fim de reprodução do capital. Isso é o que Simondon entende como proletarização e alienação por meio de sua leitura de Marx, que de alguma forma contorna a questão das propriedades. Mas cuidado, não estou sugerindo que se deva evitar a abstração e a redução; de modo nenhum, abstração e reduções são necessárias em muitos aspectos, mas a questão é mais sobre que tipo de reduções e abstrações: aquelas que favorecem a individuação ou aquelas que produzem desindividuação. Por exemplo, alguém pode dirigir um carro conhecendo sua velocidade, seu limite, e outra pessoa pode dirigir apenas sabendo qual botão apertar, em ambos os casos estamos lidando com diferentes tipos de abstrações. Hoje, o Google e o Facebook estão fazendo o último, estamos acostumados a apertar botões, nos satisfazendo com a velocidade e conveniência, sem realmente entender as problemáticas por trás das interfaces e seus algoritmos de crowdsourcing.

Simondon argumenta contra a automação; para ele, a automação é o nível mais baixo de perfeição dos objetos técnicos. Simondon propõe levar em consideração a “margem de indeterminação” na invenção da máquina. Isso significa que a máquina de nível mais elevado não deve ser perfeitamente automática, mas precisa integrar o ser humano no conjunto técnico como aquele que a opera, aquele que convive com ela. Isso não pode ser entendido simplesmente como os seres humanos sendo usuários; em vez disso, eles devem restaurar sua posição como indivíduos técnicos. Para Simondon, não faz sentido voltar à produção artesanal como negação da industrialização. De acordo com sua análise, “a individualidade humana se desvincula cada vez mais da função técnica pela construção do indivíduo técnico - mas isso cria um mal-estar, porque o ser humano, sempre buscando ser um indivíduo técnico, não tem mais um lugar estável ao lado da máquina: ele se torna servo da máquina ou organizador do conjunto técnico” [6]. A questão não é mais aquela que ataca máquinas e fábricas, mas inventar uma nova concepção de conhecimento técnico que reconstitua a cultura da máquina impulsionada pelo capital e pelo marketing. Isso é o que Simondon chama de humanismo tecnológico, que “visa ao aspecto mais sério da alienação que uma civilização se comporta ou produz”, então “cada época deve descobrir seu humanismo e orientá-lo para o perigo principal da alienação” [7]. Simondon observa que o trabalho é apenas uma fase da tecnicidade, em vez de a tecnicidade ser parte do trabalho [8]. Em nosso contexto, o problema do crowdsourcing como trabalho é que os usuários não sabem para o que estão contribuindo, enquanto estão virtualmente trabalhando por meio de pesquisa, digitando atualizações de status. Enquanto essa relação entre tecnicidade e trabalho, há a possibilidade de superar as limitações do trabalho recuperando o potencial da tecnicidade.

Sob essa interpretação teórica, o manifesto do arquivista é uma proposta para recuperar o conhecimento e as habilidades de organização de dados e objetos digitais; somente com a tecnologia, podemos falar sobre as técnicas de cuidado, que também é um humanismo chamado por sua realidade técnica. Em resumo, a tentativa acima foi de reconceituar arquivos e arquivistas após a web e propor aproveitar essa possibilidade de reapropriação dos arquivos, refletindo sobre a questão da industrialização de arquivos em relação à questão do cuidado, e o desenvolvimento de ferramentas de arquivo envolve em grande parte a desqualificação. As discussões atuais sobre pesquisa, acesso aberto, arquivos, preservação de informações e objetos digitais muitas vezes escondem a política dos indivíduos sob o disfarce de “usuários”. Usuários para o capitalismo tecnológico são consumidores para o capitalismo consumista. O manifesto do arquivista é um apelo para a reinserção do conhecimento e habilidades para desenvolver arquivos pessoais, que, por um lado, reinstalam a cultura do cuidado e uma cultura tecnológica; por outro lado, desenvolvem uma infraestrutura que permite o compartilhamento de informações em nível individual e contorna ferramentas de marketing como motores de busca e redes sociais comerciais. Os seguintes pontos resumem brevemente três práticas em direção à cultura de arquivo:

Notas de rodapé

[1] A ideia de acumular tudo, de estabelecer uma espécie de arquivo geral, a vontade de colocar num só lugar todos os tempos, todas as épocas, todas as formas, todos os gostos, a ideia de constituir um lugar de todos os tempos que está ele próprio fora do tempo e inacessível às suas devastações, o projeto de organizar desta forma uma espécie de acumulação perpétua e indefinida do tempo num lugar imóvel, toda esta ideia pertence à nossa modernidade. Michel Foucault (1967) “Of Other Spaces”, Diacríticos 16 (Primavera de 1986), 22-27.

[2] M. Foucault, Sobre a arqueologia das ciências. Resposta ao Círculo de Epistemologia”, Cahiers pour l’analyse, n° 9, verão de 1968 “Chamarei arquivo não a totalidade dos textos que foram conservados por uma civilização, nem o conjunto de traços que puderam ser salvos de seu desastre, mas o jogo de regras que determinam em uma cultura o aparecimento e o desaparecimento dos enunciados, sua permanência e seu apagamento, sua existência paradoxal de acontecimentos e de coisas. Analisar os fatos do discurso no interior do meio comum do arquivo é considerá-los não como documentos (de um significado mascarado ou de uma regra de construção), mas como monumentos; é – sem contar com qualquer metáfora geológica, sem nenhuma atribuição de origem, sem o menor gesto em direção a concepção de uma arca – empreender o que se poderia chamar segundo os direitos lúdicos da etimologia, de alguma coisa como uma arqueologia.”

[3] MARC inclui: padrão MARC, dialeto MARC, ISO2709 MARCXML, AACR2 etc.

[4] Ver §26 Das Mitdasein der Anderen und das alltägliche Mitsein, in Sein und Zeit, Max Niemeyer Verlag Tübingen, 2006.

[5] Esses livros são o que Bernard Stiegler redescobriu na obra de Donald Winnicott sobre objetos transicionais. O primeiro objeto transicional é o polegar, os bebês chupam o polegar para compensar o desaparecimento das mães. Ver Bernard Stiegler (2011), Ce qui fait que la vie vaut la peine d’être vécue: De la pharmacologie, Flammarion.

[6] Gilbert Simondon(1958, 2012), Du Mode d’Existence des objects techniques, Aubier, p.101.

[7] Gilbert Simondon, MEOT (1989) p.101-102, quoted by Xavier Guchet(2011), Pour un Humanisme Technologique – Culture, Technique et Société dans la philosophie de Gilbert Simondon, PUF, p.110.

[8] Jean Marie Vaysse (2006), Heidegger et Simondon : Technique et Individuation, in Technique, Monde, Individuation : Heidegger, Simondon, Deleuze, ed. J.M. Vaysse, Georg OLms Verlag.